segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Na ponta dos pés

Ao som de Tchaikovsky, uma bailarina rodopia. Na ponta dos pés, vê o mundo com suavidade. Admirados com tamanha beleza, o público se emociona, chora, ri. “Como é bela a bailarina” - É o que se ouve muito por aí. Fim do espetáculo. As luzes já se apagaram, o público já se foi. Sem plateia, a bailarina se vê só com suas dores. Não há mais música. A sapatilha, jogada ao lado, já não esconde mais suas feridas. “São as marcas da vida”, ela sussurra pra si mesma, um pouco antes de fechar os olhos e se ver dançando mais uma linda canção.

sábado, 14 de setembro de 2013

Nunca mais

Gritos. Muitos gritos. Era tudo o que eu conseguia ouvir por trás da porta do meu quarto. Não era a primeira vez, e eu sabia que não seria a última. Ao menos achava, mas me enganei. 
- Como você pode fazer isso? – Mal consegui entender as palavras pronunciadas por minha mãe devido o choro embaralhado com sua frase. Minutos que mais pareceram horas se passaram e nenhuma palavra foi dita.
O silêncio de meu pai me doeu mais do que qualquer outra palavra que ele pudesse ter pronunciado. Acho que minha mãe concordaria comigo, já que depois de um longo tempo esperando por uma resposta, bateu a porta da cozinha e se trancou lá dentro. Quis consola-la, abraça-la, dizer que tudo ficaria bem, mas eu não podia, e nem devia. O que eu diria? Que estou aqui? Isso não seria uma solução, e sim mais um problema. Eu era o motivo daquilo tudo se tornar ainda mais doloroso e difícil. Ela nunca quis me dizer isso, mas eu sabia. Sempre soube.
- Querida, você foi o melhor presente que nós poderíamos ter ganhado. – Lembro de ter ouvido essa frase ser pronunciada várias vezes quando eu ainda era uma criança e questionava demais o mundo. Ainda questiono, mas não sou mais uma criança, logo não tenho mais o direito de sair perguntando “Por que?” em cada frase. Dizem por aí que isso é só uma fase da infância... Pelo visto não passei dela. Acabo preferindo guardar meus “porquês”, já que pelo visto sou grandinha demais para me preocupar com a cor do céu, ou até mesmo a razão da vida. 
Enquanto ouvia o choro da minha mãe, milhares de “porquês” me vinham a mente.  A criança dentro de mim apenas implorava pelos seus pais juntos e felizes como era há poucos anos. Era pedir demais? Ou muito egoísmo da minha parte?
Fui despertada dos meus pensamentos quando ouvi meu pai gritar:
- Eu não tive culpa. O coração está em meu peito mas não é meu, o cérebro está em minha cabeça, mas não pensa por mim. Não sou dono dos meus sonhos nem vontades, nunca fui. Tente entender. Eu errei com você, mas ainda te amo. E por te amar tanto, sinto que devo ir. Meus erros estão te machucando. Sei que errar é humano,mas fazer quem nos ama sofrer é desumano. Tudo que eu quero é te ver feliz, e para isso, preciso mais do que nunca te libertar de mim. Aquele laço que nos prendia já se desatou há muito tempo, e com isso, estamos repletos de nós, sendo enforcados um pouco mais a cada dia. Me perdi dentro desse relacionamento, e agora preciso me encontrar.” 
Dito isso, se calou na espera de uma resposta. Não obteve. A porta se fechou e pude ver meu pai sumir na rua iluminada pela fraca luz de um poste prestes a se apagar. Nunca mais o vi.
Passei anos odiando aquele que havia me dito que o amor era eterno e de um dia para o outro foi embora sem dizer adeus. E pensar que tive que estar em seu lugar para compreendê-lo...
“O coração está em meu peito mas não é meu, o cérebro está em minha cabeça, mas não pensa por mim.” Mais do que nunca, aquelas palavras fizeram sentido.  
Estou sentada nessa banco do aeroporto há horas e ainda não sei para onde ir. Tentei me encontrar e me perdi mais. Encaro as pessoas passando de um lado para o outro e não consigo evitar de pensar “Será que meu pai já se encontrou?”. Talvez sim, talvez não. Vai ver ainda vaga por aí, com novos amores na bagagem e mais gritos deixados para trás. 

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