- Moço,
quanto custa esse colar?
- Hum, a
âncora, meu preferido. Tens bom gosto. É muito pé no chão, menina?
-Muito pelo
contrário. Asas demais e pés de menos
- Então
achou exatamente aquilo que precisava.
-Âncoras que
me prendam ao chão?
- Não, âncoras
que não te deixem esquecer suas raízes. Você tem uma carinha de confusão.
Parece meio perdida aí dentro. E é exatamente nessas horas que você tem que
voltar-se para si, por mais que isso seja um tombo para quem esteja nas
alturas.
-Sim..
Confusão talvez seja a palavra certa.
- Você me
parece daquelas que tentam entender demais o mundo quando nem ao menos se
entende, estou certo?
-É, talvez
seja isso.
-Pois bem. Quer
um conselho? Você em primeiro, sempre.
Pense primeiro em si. Você precisa se entender e estar bem consigo para só então
entender o mundo.
-E você
entende o mundo?
-Faço meu
possível. Tento ir vivendo um dia de cada vez e limpando sempre essa casa que é
minha alma para não deixar acumular bagunça. Mas sempre acaba aparecendo uma
poeirinha aqui e outra ali, né? Disso não dá pra fugir.
-Minha casa
anda tão bagunçada que acho que nem tem espaço para mim lá dentro.
-Ah, tem
sim. Sempre tem. Se não conseguir entrar pela porta, pule a janela.
-Difícil
moço, difícil..
-Acredita em
Deus, menina?
- Olha... É
complicado. Não sei bem. Acredito em algo, disso tenho certeza. E é para esse
algo que agradeço todos os dias ou que peço ajuda quando tudo parece pesado
demais para meus ombros. Mas não acredito nesse Deus de todo mundo, cheio de
tantas regras, dogmas, pecados. Nem mesmo acredito em céu ou inferno.
- Quer ouvir
um segredo? Deus é individual. Sim, cada um tem o seu. Há até aqueles que não
acreditam, e se é assim que pensam, no fundo a inexistência de um Deus torna-se
o Deus deles. O importante é acreditar em algo, mesmo que acreditar seja
justamente o não acreditar. Me entende? Algo para sentir lá no fundo e
prender-se quando nada parecer fazer sentido.
-Sim
entendo, acho que você é um dos primeiros que não me julgam pelo meu Deus.
-Ninguém
está aqui para julgar ninguém.
-Verdade..
Seria bom se todos pensassem assim. Olha moço, por mim ficaria aqui por horas,
mas infelizmente estou atrasada. Quanto é mesmo?
-Todos
estão. Olha, vamos fazer assim, fica sendo um presente. Quando sua confusão
parecer maior que tudo, feche os olhos, respire fundo e segure bem forte essa
âncora por entre os dedos. Pense em si, garota. Você me parece uma pessoa
incrível, vê se não se perde por aí.
-Nossa, nem
sei como agradecer...
-Já agradeceu
com esse lindo sorriso no rosto. Vale mais que qualquer dinheiro.
-Muito
obrigada moço, de verdade! Até mais.
-Até,
menina. Ah, e só não deixe a âncora te prender também. Siga em frente mas com
certo cuidado. A palavra certa talvez seja equilíbrio. Um pé aí dentro e outro
pé no mundo.
-Pode
deixar!
-Foi um
prazer te conhecer!
-O prazer
foi todo meu.
E foi assim
que conheci Ângelo, o hippie vendedor de colares da esquina do metrô. Um anjo sem
asas que trouxe a minha vida um pouquinho da leveza que tanto estava
precisando. Já voltei a aquela esquina para vê-lo alguns dias depois, mas nunca
mais o encontrei. Deve ter ido para outra rua, entrar por acaso na vida de
alguém e ajudá-lo com calma a desembaraçar todos os seus nós internos.