sábado, 21 de março de 2015

Ligação


Lembro de quando eu era criança e o telefone tocava de madrugada. Eu despertava assustada e ficava sem entender os olhares repletos de medo que meus pais trocavam. Mamãe caminhava pé ante pé como quem caminha para a forca, e atendia com uma voz rouca e trêmula que mal se ouvia. Da minha cama, fazia um enorme esforço para calar minha mente e ouvir as vozes lá fora. “Não, não pode ser! Tem certeza?”, foi tudo que ouvi minha mãe dizer antes de devolver o telefone ao gancho e desabar em um choro de criança. Deduzo que a resposta para a pergunta dela foi sim, mas não entendi o motivo daquela resposta doer tanto.
Não dormi mais depois disso. Imaginava mil situações, mas nenhuma parecia fazer sentido tamanha a angústia dos meus pais. Quis abraça-los e chorar junto, não sabia o porquê, mas aquilo também me doía.
A última vez que vi minha avó foi na manhã seguinte. Suas mãos mais pálidas que o habitual seguravam uma linda rosa vermelha que se destacava em seu vestido preto, o seu preferido se não me engano.
Anos se passaram, mas voltei no tempo essa noite. O telefone tocou. Fiquei um tempo deitada, esperando alguém atender, até que lembrei-me que eu era a única daquela casa. Caminhei pé ante pé com uma grande angústia no peito. Atendi. Não sei se deveria tê-lo feito. Agora não havia mais mãe para atender as ligações de madrugada, e pela primeira vez entendi a dor que cada palavra pronunciada pelo outro lado trazia. Desliguei com a certeza de que nunca gostaria de ter atendido.

Um comentário:

  1. <3

    Love, Nina.
    Meu texto: http://ninaeuma.blogspot.com.br/2015/03/eu-fecho-meus-olhos-e-penso-em-voce.html

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