sábado, 14 de setembro de 2013

Nunca mais

Gritos. Muitos gritos. Era tudo o que eu conseguia ouvir por trás da porta do meu quarto. Não era a primeira vez, e eu sabia que não seria a última. Ao menos achava, mas me enganei. 
- Como você pode fazer isso? – Mal consegui entender as palavras pronunciadas por minha mãe devido o choro embaralhado com sua frase. Minutos que mais pareceram horas se passaram e nenhuma palavra foi dita.
O silêncio de meu pai me doeu mais do que qualquer outra palavra que ele pudesse ter pronunciado. Acho que minha mãe concordaria comigo, já que depois de um longo tempo esperando por uma resposta, bateu a porta da cozinha e se trancou lá dentro. Quis consola-la, abraça-la, dizer que tudo ficaria bem, mas eu não podia, e nem devia. O que eu diria? Que estou aqui? Isso não seria uma solução, e sim mais um problema. Eu era o motivo daquilo tudo se tornar ainda mais doloroso e difícil. Ela nunca quis me dizer isso, mas eu sabia. Sempre soube.
- Querida, você foi o melhor presente que nós poderíamos ter ganhado. – Lembro de ter ouvido essa frase ser pronunciada várias vezes quando eu ainda era uma criança e questionava demais o mundo. Ainda questiono, mas não sou mais uma criança, logo não tenho mais o direito de sair perguntando “Por que?” em cada frase. Dizem por aí que isso é só uma fase da infância... Pelo visto não passei dela. Acabo preferindo guardar meus “porquês”, já que pelo visto sou grandinha demais para me preocupar com a cor do céu, ou até mesmo a razão da vida. 
Enquanto ouvia o choro da minha mãe, milhares de “porquês” me vinham a mente.  A criança dentro de mim apenas implorava pelos seus pais juntos e felizes como era há poucos anos. Era pedir demais? Ou muito egoísmo da minha parte?
Fui despertada dos meus pensamentos quando ouvi meu pai gritar:
- Eu não tive culpa. O coração está em meu peito mas não é meu, o cérebro está em minha cabeça, mas não pensa por mim. Não sou dono dos meus sonhos nem vontades, nunca fui. Tente entender. Eu errei com você, mas ainda te amo. E por te amar tanto, sinto que devo ir. Meus erros estão te machucando. Sei que errar é humano,mas fazer quem nos ama sofrer é desumano. Tudo que eu quero é te ver feliz, e para isso, preciso mais do que nunca te libertar de mim. Aquele laço que nos prendia já se desatou há muito tempo, e com isso, estamos repletos de nós, sendo enforcados um pouco mais a cada dia. Me perdi dentro desse relacionamento, e agora preciso me encontrar.” 
Dito isso, se calou na espera de uma resposta. Não obteve. A porta se fechou e pude ver meu pai sumir na rua iluminada pela fraca luz de um poste prestes a se apagar. Nunca mais o vi.
Passei anos odiando aquele que havia me dito que o amor era eterno e de um dia para o outro foi embora sem dizer adeus. E pensar que tive que estar em seu lugar para compreendê-lo...
“O coração está em meu peito mas não é meu, o cérebro está em minha cabeça, mas não pensa por mim.” Mais do que nunca, aquelas palavras fizeram sentido.  
Estou sentada nessa banco do aeroporto há horas e ainda não sei para onde ir. Tentei me encontrar e me perdi mais. Encaro as pessoas passando de um lado para o outro e não consigo evitar de pensar “Será que meu pai já se encontrou?”. Talvez sim, talvez não. Vai ver ainda vaga por aí, com novos amores na bagagem e mais gritos deixados para trás. 

5 comentários:

  1. lindo Alice. Esses momentos são difíceis mesmo, traumáticos até.Já ouvi alguém dizer que o casamento é questão política. Porque envolve filhos, bens, parente, mexe com tudo. A separação é um Tsunami na relação, é um furação, há de se ver depois os estragos e começar do zero, ao rompimento de velhos hábitos, a área de segurança, o medo do desconhecido, a difícil adaptação.

    http://apoesiaestamorrendo.blogspot.com.br/

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  2. Oi Alice, arrasou como sempre ein? Amei o texto! É daquele tipo de texto que sempre vai ter alguém que se identifique com ele.
    O blog tá lindo!
    Espero que você também consiga se encontrar, às vezes eu acho que consegui, mas depois sempre acontece alguma coisa que me leva a pensar se estou realmente certa...

    Beijos!
    Carol,
    www.caixa-a-a.com

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  3. Texto lindo e triste ao mesmo tempo. Vai entender os mistérios que a vida e o coração da gente mesmo nos reserva. adorei o que o pai falou aos gritos, coisas que sentimos inúmeras vezes na vida, ou até mesmo que não queríamos ouvir, mas vezes é necessário. Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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  4. Muito lindo seu texto.
    Sei como é "se sentir culpado" por motivos que obviamente não é nossa culpa. Sei também como é fazer tudo pelas pessoas que amo. Realmente adorei.
    cronicasdeumlunatico.blogspot.com

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  5. Tenho a impressão que já li esse texto, acho que andei te visitando, mas esqueci de comentar, gostei da profundidade de sentimentos e filosofias existente no texto. Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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